TREND ALERT: O Mundo em Minecraft
Entre o feito à mão e o digital, um mesmo gesto se repete: construir. E talvez seja nesse gesto que esteja o insight mais potente do agora.
Linhas, formas geométricas, tapeçarias, pixels. Nas últimas semanas, uma estética visualmente rígida, mas conceitualmente livre, vem se revelando em múltiplas linguagens: da Bienal do Mercosul, às passarelas da SPFW, do patchwork à estética pixelada.
Durante a última SPFW, meu radar criativo ficou mais atento. O uso de linhas e formas geométricas em diferentes instalações e looks me acendeu um alerta.
Fevereiro é conhecido como “o mês mais quente” para o mundo da moda: semanas de moda nas grandes capitais, street style com mais visibilidade do que nunca, trocas de diretores criativos, e o surgimento de novos nomes à frente de marcas renomadas. Respiramos por um instante — e antes do verão no hemisfério norte, tudo recomeça.
Mas hoje não quero falar dos grandes players da indústria. Março e abril, na América Latina, não seguem necessariamente o mesmo compasso cultural ditado pela Europa ou pelos EUA. Claro, em termos de varejo, o mercado global de tendências interfere diretamente nas nossas produções. Mas isso não significa que não estejam acontecendo outros movimentos tão relevantes quanto — e talvez mais interessantes.
Da Bienal à SPFW
Chegou meu momento bairrista. Sim, vou falar da Bienal do Mercosul — e do papel da arte nos movimentos socioculturais e na moda.
Os primeiros sinais de irreverência quase nunca vêm das passarelas, e sim das artes. A moda traduz, se apropria, e joga na nossa cara, por meio de códigos visuais, o que está se transformando no mundo.
A Bienal do Mercosul deste ano traz como tema o “Estalo”: o ato de estalar os dedos. Um gesto rápido, mas de impacto — um chamado à ação. E nas visitas que fiz, notei muitas obras que mesclavam tecnologias digitais, som e cor em uma dinâmica quase interativa. Em paralelo, outras tantas que partiam da tecelagem como linguagem central — com inspirações indígenas e latino-americanas, formas geométricas e cores vibrantes.
Essa contraposição é fundamental: a arte exige fricção. E entre construção e ruptura, há sempre um pano de fundo sistêmico a ser questionado.
Xadrez, tartan, woven…
Quem acompanha as semanas de moda e os coolhunters talvez entenda mais facilmente a ligação que tento traçar aqui. Mas mesmo numa pesquisa rápida pelas plataformas de curadoria de tendências, você vai encontrar o xadrez sendo apontado como trend.
Mais do que uma padronagem, o xadrez — clássico, elegante, normativo — já foi apropriado por movimentos de contracultura, como o punk britânico. E o que poucos dizem é que ele também é, essencialmente, uma técnica de tecelagem em lã.
O woven — que também reaparece em vários desfiles — e as padronagens pixeladas que lembram cubos de Minecraft, têm me saltado aos olhos desde o desfile icônico da Louis Vuitton FW24, com Pharrell Williams à frente. A coleção trazia desde patchwork indígena até referências western e country, que alguns já apelidaram de “Nuboheme”.
Mas a linha traçada aqui, é que o movimento de trazer esses materiais, e aspectos de handmade para as principais semanas de moda, segue uma coerência conceitual de discurso e imagem. Que apesar de levar os nomes Boho, estampar os continentes orientais desfocados, essa moda pouco preocupa-se em ser disruptiva como as obras na Bienal. Elas cumprem com demandas do mercado. Entretanto, caminham para uma semiótica construtivista, com objetivos opostos entre si.
Mas há um discurso sendo construído. E ele tem forma, função e intenção.
O que vi na SPFW vi no mundo todo — e tudo bem
Dois desfiles da SPFW me impactaram especialmente: João Pimenta e Handred Studio.
A Handred apresentou uma coleção que mergulhava no Rio dos anos 1960, com bordados e tapeçarias que desenhavam rostos nas roupas — vestidos com contornos irregulares, como pinturas ou retalhos vivos.
João Pimenta, por sua vez, foi puro conceito: patchwork em alfaiataria, peças do avesso, um cenário que exaltava o processo de construção como tema central — e que emocionou.
Ambos me chamaram atenção não pela nostalgia, mas pela conexão com movimentos artísticos e de design. São trabalhos que, mais do que contar histórias, captam o espírito do tempo.
Entre o construtivismo e o Minecraft
Entre a tecelagem e os blocos pixelados, há um discurso sendo construído. Literalmente.
Me arrisco aqui a propor um paralelo com o movimento artístico Construtivista, do início do século XX. Um movimento influenciado pelo futurismo, que exaltava a materialidade, explorava formas e buscava funcionalidade. Muito além da estética, ele refletia o mundo industrial e mirava um futuro que pudesse contrariar o sistema vigente.
O Minecraft exerce um poder criativo imenso, o resgate cultural desse movimento, não trabalha somente com desejo nostálgico dos consumidores, mas com o desejo criativo. Assim como a arte construtivista, a construção de sentido do jogo é funcional, relacional e simbólica. É um espaço onde o jogador se iguala a arquiteto, e que se iguala a designer simultaneamente, formando um movimento de “construtivismo digital”, onde o “fim” do jogo na verdade não existe, e sim, um estalo para o ato criativo contínuo.
Aliás, o ato de criação pleno, o ócio, onde possamos desenvolver nossas capacidades e potencialidade de forma autônoma é não somente contracultura, como antisistêmica.
O Minecraft deu origem a estética pixelada que virou sinônimo de nostalgia digital, assim como o construtivismo influencia outros movimentos, como o concretismo e neoconcretismo. Contudo, este imaginário que nos permite visualizar e materialmente construir e se contrapor a realidade imposta, está sendo resgatado agora, não somente de forma nostálgica, mas como um convite à retomada de movimentos criativos que envolvam processos, pessoas, coletivos, construção.
Entre a tecelagem da Bienal, o patchwork de João Pimenta e o resgate de Minecraft por Pharrell, há dissonâncias evidentes entre mercado e arte. Mas se meu insight não falha, há também um estalo criativo pairando no ar — e ele nos chama à ação.